sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Quando bate a carência...

Afinal, você sabe como administrar esse sentimento quando ele aparece?
Vanessa Oliveira

Quando ela chega, não dá para fingir sua presença. Vem com vontade e pede toda sua atenção. Não tem hora marcada, não tem dia apropriado, não faz distinção. Ela te encontra, independentemente se você é homem ou mulher, magro(a) ou gordo(a), bonito(a) ou feio(a). Simplesmente aparece, sem ao menos ser convidada. E o pior: costuma exigir tratamento VIP, com direito a presentes, bebidas e chocolates, muitas vezes. O nome da visita? Carência. Um sentimento que, não necessariamente, condiz com a realidade, mas que traz uma sensação muito verdadeira de vazio para quem resolve abrir a "porta da casa". A questão é: como lidar com ela, uma vez que tenha entrado?
"Este sentimento está relacionado ao medo da solidão. Muitas pessoas precisam do outro para estarem bem", diz a psicóloga Karen Camargo. Para ela, é normal passarmos por momentos de fragilidade na vida. Tanto na infância, quando a criança necessita dos cuidados da mãe, como também na fase adulta. O fato é que não podemos precisar do outro com freqüência. "É impossível que alguém preencha nossa carência 100% do tempo. É necessário que se aprenda a lidar com a vida de uma maneira solitária. Nascemos e morreremos sós", afirma. Mas ela admite que, apesar de necessário, aprender a não depender emocionalmente dos outros é dolorido. "A cultura, de certa forma, nos solicita estarmos com alguém. A mulher que não se casa ou namora depois dos 30, por exemplo, fica para ‘titia' na visão da sociedade. É uma cobrança muito grande", diz Karen.

"É ruim admitir que precisamos do outro para ser feliz ou que temos medo da solidão. Pode ser, para alguns, sinônimo de fraqueza "

E esse alguém, do qual "se precisa", não vai estar apenas nos relacionamentos amorosos. Pode estar também nas amizades, na família etc. A carência remete à falta de amor - sentimento que pode ser encontrado e cultivado em vários tipos de relações. "Não quer dizer que a pessoa não receba amor. Trata-se de uma avaliação pessoal, que pode não ser real", comenta o psiquiatra Luiz Alberto Py, autor do livro "Saber Amar". Segundo ele, ao estar carente, a pessoa quer ser amada não só no presente, mas por tudo que já faltou para ela no passado. Ou seja, a carência de cada um depende da história de vida que carrega. Pode ser leve e ser sanada com um colo e cafuné, ou não. Pode perdurar e sair do controle de quem sente. E como diz a letra de Cazuza, a pessoa então segue, "levando em frente/um coração dependente/viciado em amar errado/crente que o que ele sente/é sagrado".
Torna-se então um problema quando não se consegue suprir essa necessidade. E a visita, quer dizer, a carência, já está lá espalhada em cima de sua cama, abrindo a porta da geladeira, tomando conta de tudo. De acordo com Luiz Alberto Py, quando não se consegue administrar essa situação, de duas uma: ou começa a cobrar manifestações de amor ou canaliza isso para outro lugar. Explicando: compra muito, come demais, fuma, bebe, enfim, faz coisas que lhe dão prazer e aliviam esse sentimento. "Eu não fazia compras de 500 reais de uma vez, mas sempre ia ao shopping, ao cinema, à praça de alimentação. Pelo menos, tinha movimento", conta a jornalista Fernanda Martins que, por opção, foi para Campinas (SP) com o intuito de estudar Lingüística. No entanto, acabou estudando e conhecendo melhor a si mesma. Afinal, durante dois anos teve que lidar com a sua carência no dia-a-dia. "Eu me sentia largada, sem referência nenhuma. O que piorou quando eu e meu namorado terminamos. Descobri que eu era carente mesmo com ele", diz. A jornalista afirma que, muitas vezes, conversava com as pessoas em busca de ajuda e carinho, mas acabava as afastando porque agia com agressividade. "A gente idealiza muito o cuidado que queremos ter dos outros, a atenção que queremos das coisas e do mundo. Toma atitudes esperando recompensas para aliviar esse sentimento. E elas nem sempre vêm!", explica.
Depois do tempo em São Paulo, Fernanda diz que percebeu que a carência não vai ser preenchida por alguém, mas por você mesmo, deixando de se cobrar tanto. "Quando queremos muito namorar alguém, por exemplo, fazemos de tudo para prender essa pessoa para não sentir mais um fracasso pessoal. Só que não é dessa forma que a coisa funciona", ressalta. Conclusão esta, que chegou com o auxílio de uma terapia a partir do momento em que se percebeu mal com essa situação. E com o desenvolvimento das sessões, acabou decidindo se isolar e passar mais tempo com apenas uma pessoa: com a própria Fernanda. "Eu precisava me sentir bem, mesmo sozinha. Fui fazendo as pazes comigo". Foi quando tudo melhorou. Não é à toa que, hoje, morando em Juiz de Fora, ela cita a música "Immature" da Björk: "How could I be so immature/ to think He could replace/ The missing elements in me" (Como eu pude ser tão imatura, ao achar que ele compensaria os ‘elementos faltosos' em mim?). Ela então deixou de sentir carência? Não. Só que quando ela aparece, Fernanda, no máximo, toma um cafezinho.


Eles sofrem também
E como a jornalista, muitas pessoas procuram um terapeuta para lidar com esse sentimento. Isto é, quando elas resolvem assumir a existência de um problema. "É ruim admitir que precisamos do outro para ser feliz ou que temos medo da solidão. Pode ser, para alguns, sinônimo de fraqueza", explica a psicóloga Karen. Difícil não só para mulheres, mas como também para os homens que não expressam seus sentimentos de forma muito clara, no geral. Ainda mais em uma época na qual a mulher está mais independente em termos de carreira e dinheiro. "Eles têm sofrido com essa recente segurança financeira feminina, papel anteriormente exclusivo do homem. É incrível o número de homens que procuram terapia hoje em dia", destaca Karen.
O engenheiro Pedro Gomes que o diga! "Não gosto nem um pouco de curtir esses momentos. Procuro imediatamente um amigo para conversar. Não exatamente sobre o que estou sentindo. Pode ser sobre qualquer coisa que me distraia um pouco". Ele, que ainda se considera carente, só procurou a terapia, recentemente, após o término de um namoro e se arrepende por não ter feito isso antes. "Fui em busca de uma cura para a dor que estava sentindo. Encontrei então uma pessoa que se esforça bastante para me apresentar a mim mesmo", conta.
Pedro explica que a carência trouxe uma sensação de insegurança na sua relação amorosa, o que o fazia aprisionar uma série de outros sentimentos. "Perdi o foco do que realmente era importante para um namoro saudável". E não esconde que costumava cobrar bastante carinho dos amigos e namoradas. Cobrava mesmo, no entanto, garante que, atualmente, não demonstra esse desejo de maneira intensa. Adota, sim, uma postura mais neutra, procurando responder de forma positiva quando as pessoas são carinhosas com ele. Nada de ter a imagem de uma pessoa carente. "Isso não é bom para ninguém, nem para mim", afirma um falante engenheiro, que agora mais em contato com o Pedro, consegue conversar mais sobre seu mundo particular. Segundo ele, no final das contas, a carência o fez buscar por pessoas opostas. Aquelas que são felizes sozinhas. E descobriu que não se tratava de lenda. Elas existem e têm um conhecimento enorme sobre si. "É como se elas se conhecessem tão a fundo que sempre soubessem exatamente onde estar, com quem estar, o que fazer, enfim, tudo para que estivessem felizes de verdade".
Ah... A felicidade! Como bem definiu o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, ela "é uma estação intermediária entre a carência e o excesso". O equilíbrio talvez. Ah... A felicidade. Sempre ela. Só que esta, ao contrário da carência, é o tipo de visitante que ninguém quer mandar embora.
Postado por For Women às 18:58 |  
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